Helena Marques - Alumni Pulse
“Nem tudo que a gente quer, a gente pode. Então, a gente tem que fazer o que pode pra conseguir o que quer.” - Sotigui Kouyaté
Ouvi essa frase, do mestre griot Sotigui Kouyaté, pelo grande artista, diretor, professor Issac Bernat logo nos primeiros dias de isolamento. Em sua fala, Bernat ainda complementou dizendo que se você olhar bem afinadamente em volta, vai ver algo perto de você que é possível fazer e você deve gostar disso, amar isso, até que isso possa ser uma escada para conseguir o que você quer.
Fazia muito sentido ouvir esses dizeres naquele momento, mas algo ainda era pouco concreto para mim. Só entendia que não poderia sair de casa e o que podia fazer era mesmo seguir o isolamento para conseguir sair em breve. A cada dia que passa, a cada nova semana que se inicia sem a perspectiva de que algo lá fora mude, essa frase vai ganhado novos significados para mim... Mas tudo volta para um mesmo ponto: saímos da nossa zona de conforto para uma zona de absoluto desconforto em todos os pontos da nossa vida. Tenho uma empresa que trabalha com cultura e este foi o primeiro setor a fechar e será, provavelmente, o último a abrir.
Como poderíamos continuar a produção de criações artísticas, espetáculos de teatro e experiências de aprendizagem totalmente prática e imersiva neste momento?
O que fazemos é muito relevante para as pessoas nesse momento: conexão, arte, criatividade, humanidade. Mas a forma como fazíamos não servia mais. Aglomeração era uma premissa básica para nosso trabalho dar certo. Nos vimos em uma nova realidade e tivemos que encarar um desafio que antes parecia impossível: trabalhar com a experiência prática, o olho no olho, a arte do encontro... tudo isso sem reunir pessoas. E como eu, você, todos nós estamos (estávamos!) mergulhados na nossa zona de conforto em cada aspecto do dia! No trabalho, nas relações, no cafezinho, nas formas de consumo, no lazer. É uma lista infinita. O grande problema é que dentro da zona de conforto não há crescimento. E dentro da zona de crescimento não há conforto. Não dá para escolher as duas coisas. E quantas vezes já pensamos em sair da zona de conforto para criar algo novo e não saímos? Quantas vezes já tivemos medo e recuamos?
Quantas vezes até tivemos coragem, mas não sabíamos como pisar fora da zona de conforto? A notícia boa (e ruim) é que todos fomos empurrados para fora da zona de conforto. Desse empurrão só sobrou uma versão nossa: uma versão absolutamente vulnerável. E depois que todos descobrimos que vulnerabilidade não é sinônimo de fraqueza, é sinônimo de coragem (obrigada, Brené Brown), podemos perceber que só tem uma saída a partir daí: ou encaramos o medo da incerteza com curiosidade e criatividade, ou o medo toma conta das nossas emoções e das nossas capacidades cognitivas de tal forma que viramos seres irracionais. E mais do que ter a coragem de nos adaptarmos à uma nova realidade, esse momento nos traz a permissão de ter coragem para sermos imperfeitos. Todo mundo – mesmo – está testando, errando, aprendendo.
Essa é a nova perfeição. Porque não há, nem nunca houve perfeição, assim como não há, nem nunca houve controle sobre nada – era tudo uma ilusão, nunca tivemos como saber como será o futuro. E agora não é diferente. Nunca tivemos certeza de nada e esse é o belo da vida. Tudo é impermanente. Quando voamos para fora da gaiola da certeza para a imprevisibilidade, o acaso nos apresentas grandes oportunidades, das mais variadas formas. A adaptabilidade é a única estratégia possível, não só agora, mas também quando as coisas voltarem a ser um pouco mais parecidas com o que eram antes. A capacidade de adaptação e de resiliência são capacidades humanas que só fazem sentido se for para gente sair maior do que entrou, conquistar um novo estado, renovar. E algumas habilidades são realmente importantes para aproveitarmos da melhor forma o processo de adaptação. A criatividade é uma delas.
Criatividade é a capacidade de inovar, de criar – em qualquer campo do conhecimento – e não é só exclusividade de artistas e alguns sortudos que nascem por aí. A parte boa é que a criatividade é uma habilidade totalmente possível de ser treinada e alimentada, mas precisa de um terreno fértil para se desenvolver. O primeiro ponto é se livrar da tensão. Constantin Stanislavski (um importante pesquisador das artes cênicas) dizia que “A tensão física é a maior inimiga da criatividade, porque além de paralisar e distorcer o corpo, ela interfere diretamente na capacidade mental pra se concentrar, fantasiar e usar a imaginação”.
Não ficar tenso não está sendo uma tarefa muito fácil ultimamente, mas, acredite, é possível descobrir formas de relaxamento que vão ajudar muito nesse caminho do despertar criativo. Junte isso a uma boa dose de atenção plena, de ócio, e a estímulos que te permitam ampliar o repertório criativo. Aos poucos a mente vai descobrindo novos caminhos para solucionar antigos e novos problemas. Um bom exercício nesse momento pode ser escrever em um papel uma resposta para: Depois que essa pandemia passar, em qual aspecto da sua vida você vai sair maior do que era antes? Escolha apenas um, mas um que seja realmente significativo e, ao mesmo tempo, possível de conseguir. Vá revisitando essa resposta ao longo das semanas e perceba o que você tem feito por ela. E lembro hoje, depois de quase 3 meses de isolamento, do recado de Sotigui, que ganhou outros significados para mim. Entendo que temos que fazer o que é possível nesse momento... e esse possível não é, necessariamente, menor do que seria se estivesse tudo “normal”. Pode ser maior. E melhor. A restrição e o empurrão para fora da zona de conforto nos convidam a redescobrir o que queremos hoje. O mundo mudou, nós mudamos. Tudo ganhou outras necessidades.
Eu e minha empresa vencemos (e ainda estamos vencendo) muitos desafios, principalmente os tecnológicos (somos da geração que nasceu e cresceu analógica para depois cair em um mundo digital), mas conseguimos ressignificar nossos modelos de negócio em experiências online que estão realmente impactando positivamente a vida das pessoas. Ainda estamos no meio do processo de transformações e descobertas, ainda dando os primeiros passos na zona de aprendizado e crescimento. No fim das contas, quando tudo isso passar, vamos ver que ampliamos nossa capacidade de atuação e a forma de impactar as pessoas. Vamos ter conseguido sair maiores (assim espero!).
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